2007/01/12

Sem vergonha na cara (I)

Há pouco tempo passou por algumas casas aqui ao lado o tema das profissões com que se sonhava enquanto criança. Ora eu, que tenho o dom da modéstia, queria ser piloto-aviador. É verdade que, na altura, andava a ler livros de banda desenhada do Major Alvega, distinto herói aviador português ao serviço da Royal Air Force durante a segunda guerra mundial, aos comandos de um elegantíssimo Spitfire, embora pilotasse qualquer outra máquina voadora. O sonho manteve-se durante alguns anos, mantido por esta enorme vontade de ver novas paragens, pelo gosto pelas máquinas rotativas e pela facilidade de comunicação com gente que não fala a nossa língua, sendo dos poucos arrependimentos que carrego o de não ter tido o impulso de fazer os testes para ingresso na Academia da Força Aérea, contrariando o convencimento de que não os conseguiria ultrapassar. Continuo disso convencido, mas agora não me perdoo por não o ter tentado, mesmo tendo em conta que, naqueles tempos, havia outras complicações muito importantes.

Vem isto tudo a propósito de um braço de ferro entre os pilotos da aviação comercial e o nosso governo. Ora acontece que a dita profissão parece ser muito exigente e desgastante. Com efeito, levantar um avião, carregar no botão para ele voar sozinho durante toda a viagem, preparar a aterragem sem necessitar sequer de ver a pista e proceder à dita manobra, parece ser de um cansaço extremo. E depois ainda há a necessidade de se manter actualizado face às novas tecnologias, que é coisa que quem passa todo o dia sentado à secretária não precisa de fazer, afinal os computadores agora até fazem tudo. É uma maçada ter que dormir fora, em hotéis de muitas estrelas, quantas vezes até é noite a horas em que era suposto estar numa esplanada em Vilamoura a beberricar uma cerveja.

Por tudo isto, parece da mais elementar justiça que os pilotos de avião tenham a reforma aos 60 anos, embora fosse muito mais justo se a obtivessem aos 55. Afinal é gente que ganha para cima de 20 salários mínimos nacionais. Para que serve ganhar para cima de 20 salários mínimos nacionais se depois quando se chega à reforma não se tem condições físicas de os gastar convenientemente? Ah, e mais, piloto que é piloto não pode perder a mão, por isso depois de chegar à idade da reforma tem que estar disponível para voar em trajectos não regulares – vulgarmente conhecidos como “Charter” – para paraísos turísticos. Como se tratam de paraísos já se sabe que são voos de descanso, por isso a questão da idade já nem se põe. É certo que era suposto estar a gastar parte dos mais de 20 salários mínimos nacionais acumulados, mas já que se pilota, então mantém-se a forma física, logo aumenta-se a esperança de vida e, está bom de ver, há mais tempo para gastar os mais de 20 salários mínimos nacionais acumulados, mais os muitos salários mínimos nacionais de reforma e mais os novos muitos salários mínimos nacionais ganhos nos paradisíacos voos.

Eu acho, acho, mas é apenas a minha opinião, que é preciso ter muita falta de vergonha na cara!

5 Comments:

At 6:29 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Realmente. Mas como os pilotos existem muitos mais existiram.


Um beijinho ;)

 
At 7:34 da tarde, Blogger Fausta Paixão said...

toda a gente é livre de exprimir a sua opinião, graças a deus ou na graça de deus, depende do ponto de vista e da fé...
contudo eu vou abster-me porque acho que de pilotos percebo pouco. Eu bem quis, mas desde que o Dico me desafiou para o Lisboa Dakar para depois me trocar por um co-piloto de 2 metros de altura, nunca mais os posso ver na frente.
Mas acho que pilotar deve ter muito que se lhe diga, eu era lá capaz de entrar por uma nuvem dentro e sair de lá sem pôr os passajeiros todos s vomitar as tripas com a turbulência...

... e já agora, se toda a gente começar a ser reformada aos 65 os mais novos vão arranjar emprego na casa do carago mais novo, não achas?

 
At 2:24 da tarde, Blogger Maria Arvore said...

Senhor Álvaro de Campos ;),
a sua descrição impressiona pela rodagem e boa disposição. Contudo, julgo que não é à toa que se exige aos pilotos que não usem óculos ou lentes de contacto, que sejam sujeitos a testes para avaliar do seu equilíbrio emocional e sangue-frio em situações de emergência e que o sejam reformados mais cedo para não chegarem a crises de stress de responsabilidade.
É claro que para contrariar estas boas normas existem sempre umas empresas espertas que fazem voos mais baratos, pagando menos aos seus pilotos e aproveitam os reformados mesmo que isso represente um risco acrescido para os passageiros.
E seguindo a Fausta, qualquer dia os mais novos conseguem o 1º emprego aos 30 anos.

 
At 11:21 da manhã, Blogger robina said...

Mas se este é um país de desavegonhados...

 
At 5:33 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Naquela altura a guerra era muito constrangedora.
O filho de uma amiga minha tem brevet e sempre quiz entrar para a Tap. Agora tinha a hipótese duma boa cunha e foi voar com um amigo piloto.
Desistiu porque, diz ele, já se não faz nada.
Todos, menos uns poucos, sempre se reformaram aos 65 anos.

 

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