2007/02/06

O sucesso

A cozinheira Marta, a quem bastará tratar tão bem dos alimentos como trata as palavras para que seja um deleite para os estômagos mais exigentes, focou um tema que, em dias mais ventosos, me costuma assaltar o pensamento. Apropriando-me, pois, de tema alheio, e tendo como desculpa não me sentir à vontade para lhe monopolizar a caixa de comentários, cá vai uma reflexão pessoal sobre o vasto tema do sucesso.

Tendo nascido no seio de uma família com acesso à informação, com nível educacional mais elevado do que os recursos financeiros de que dispunha, faço parte de uma geração educada com base na segurança do canudo. Tenho ainda a felicidade de aprender com facilidade e de compreender com relativa rapidez os mecanismos de ascensão social. Partindo, então, do princípio de que a frase anterior é verdadeira, e referindo pelo caminho que tenho tudo aquilo de que preciso, incluindo no campo económico – e deixa-me bater no tampo da mesa, toc, toc, toc, que não sou supersticioso mas nunca fiando – passo a explicar o meu sentimento actual acerca do assunto.

A dita educação do canudo não ficou por aí, ou seja, estava assente noutro pilar fundamental que era a suficiência daquele para se ser uma pessoa importante, o que quer que isso queira dizer. Nos tempos que correm, já não basta ter o dito papel, dando aqui o benefício de que alguma vez terá bastado. E vivemos tempos em que uma das formas de ser importante é trabalhar muito e conseguir reunir e utilizar mais informação do que os restantes competidores. Podia falar aqui num termo arrepiante, muito bem visto em certos círculos académicos e de jovens licenciados e afins, que dá pelo nome inglês de Workaholic, mas desconfio que me iria perder pelo caminho e ficaria suficientemente irritado para perder o raciocínio.

Posto isto tudo, e tendo ido espreitar o link atrás, estou em condições de dizer que, em tempos, estive convencido de que ter sucesso estava intimamente ligado à profissão, ao dinheiro e ao reconhecimento social. Neste ponto tenho que acrescentar mais uma das minhas quase-certezas, que diz que a vida nos conduz, com maior ou menor intensidade, em função das escolhas que vamos fazendo. E as que fiz, em termos profissionais, levaram-me a um lugar muito confortável, sem grande agitação, sem grande destaque, relativamente bem pago – na classificação da satisfação retributiva, no inquérito anual, respondo sempre com a classificação 1, entre 1 e 5, mas isso são outros quinhentos, incluindo a comparação com os colegas do lado – mas podia estar em lugares onde até ganharia mais, trabalharia mais, sobretudo perdendo tempo em deslocações e reuniões de duvidosa eficácia. Na minha profissão, até poderia estar em qualquer parte do mundo, ganhando muito dinheiro à custa de tudo o resto.

Devo, no entanto, em nome da verdade, dizer que nem sempre fui capaz de prever as reais consequências das minhas escolhas, não tenho essa capacidade, senão estaria em casa de todos ao domingo à noite. Procuro a sorte, isso não nego, até porque não escolhi o dia de nascimento, sou mesmo algumas vezes inconsequente, mas, neste momento, o meu sucesso, a partir do conforto de que disponho, centra-se muito mais no bem estar dos meus, no seu encaminhamento, na mitigação desta sede constante de conhecimento do mundo que me rodeia, quer físico, quer dos segredos da mente, na procura dos meus limites, do que nos bens materiais que possa ter ou na promoção do meu nome com vista à inclusão em listas de programas televisivos de insignificância comprovada.

O que não posso garantir é que se não tivesse interrompido precocemente a minha tão brilhante quanto curta carreira de dirigente associativo no ensino secundário, não estivesse agora preocupado em justificar o argumento do colega da porta ao lado relativo à competitividade internacional dos baixos salários.

4 Comments:

At 3:14 da tarde, Blogger Pseudo said...

Não sei onde pára o meu, mas onde quer que esteja, condiz, certamente, com o resto do espaço, tão lindinho que ele era :P

 
At 5:29 da tarde, Anonymous Anónimo said...

Obrigado pelo link, que não está correcto, mas que não tem importância nenhuma pois não era necessário. Obrigado principalmente pelos muito simpáticos elogios. Comoveram-me.
As discussões em que sempre me meti, eram exactamente pelo nível educacional que existia, também no seio da minha família.
Também sou formada, mas foi quase uma imposição dos pais e felizmente não trabalho na área.
Sou francamente boa no que faço.
Dos meus filhos, um é formado e apesar do trabalho não ser bem na área do curso ele facilitou-lhe a vida; o outro não se formou, mas também é muito bom no que faz e ganha bem.
Tudo é relativo. Também não definimos o que era sucesso.
Um beijo

 
At 10:07 da tarde, Blogger Maria Arvore said...

A chatice é que nos dias que correm o sucesso é ser competitivo, nem que isso signifique passar os dias de mola vergada e/ou humilhar outros para sobressair. São essas hoje as pessoas de sucesso deste país e socialmente reconhecidas como tal.
Como ingénua que sou basta-me o sucesso de trabalhar no que gosto pois caso contrário, até duvido que o conseguisse. E o gostinho do sucesso de cada vez mais gente me tratar pelo nome próprio e não por doutora. ;)))

 
At 12:41 da tarde, Blogger Ness Xpress said...

Sim, Pseudo, compreendo-te bem, há coisas bem mais interessantes para encaixilhar.

Marta, o link foi corrigido, o seu a sua dona; não sou um defensor acérrimo do canudo, eu próprio poderia ter agora melhor condição económica se tivesse aproveitado a explosão da informática (onde tive os dois pés) em vez se preferiri a aparente segurança do curso superior; como dizes, e bem, a vida é a cores, felizmente.

Maria, também faço parte do clube do nome próprio :D ; até já tinha imaginado um post sobre o assunto... um destes dias.

 

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