2007/08/24

Ingenuidades

Os primeiros voos fora do ninho tinham como destino as montanhas do norte do país. Eram fins-de-semana com amigos, autorizados a partir da altura em que a prima se casou, pois ela e o marido eram adultos e a eles se confiava a guarda dos adolescentes. Durante os anos seguintes o grupo foi aumentando, quer em adultos amigos da prima e do marido quer em adolescentes amigos do restante grupo. Estes últimos eram todos rapazes, excepto uma ou outra irmã mais nova, pelo que se faziam brincadeiras de rapazes e as decisões sobre o que fazer eram do tipo masculino: um dos mais calhados para a liderança dizia o que fazer e a carneirada alinhava sem pestanejar. Pensava então, ingenuamente, claro está, que a união do grupo era indestrutível e que haveríamos de fazer grandes expedições, porque não em autocarro devidamente adaptado a motor-home, tal como se via em filmes americanos.

Naqueles tempos a malta mais crescida pagava juros ao banco a mais de 20% e a malta mais nova tinha mesadas que davam para pouco mais do que a divisão da gasolina das expedições pelos participantes, mais a tosta mista e o galão do final de festa. Nos melhores anos ainda se faziam uma boa meia dúzia de caminhadas, com cartas militares para orientação.

Ao longo do tempo os mais novos começaram a trabalhar e os mais velhos foram ficando mais folgados pela progressão na carreira e pela queda das taxas de juro. O grupo foi-se aburguesando, primeiro com equipamento de melhor qualidade, tipo botas “gore-tex”, mochilas sem armação e sacos-cama para –5ºC, depois com a internacionalização e, mais tarde, com a chegada dos jipes. Mas a união mantinha-se, predominavam os gajos certinhos que queriam acabar o curso e depois pensariam no resto.

Ora os gajos certinhos lá acabaram os cursos e o inevitável aconteceu: chegaram as namoradas a sério dos gajos certinhos. A princípio era tudo muito bom, os cenários das passeatas até eram bonitos e as namoradas estavam ao mesmo tempo deslumbradas pela novidade e cautelosas pelo desconhecimento do terreno que pisavam. Com o tempo e as perspectivas de casamento próximo começou a marcação de terreno, formaram-se grupos de interesse e travaram-se as batalhas pela primazia. Nada que não seja normal em grupos alargados nem sirva para justificação para um afastamento amuado.

Todo o preâmbulo acima serve para expor a dificuldade e estranheza a partir do momento em que as férias passaram a fazer-se no estrito núcleo familiar. Foi outro braço de ferro em que a falta de convívio com os amigos tinha como contrapartida a aceitação dos longos trajectos de estrada e o sacrifício do descanso ao sol pela visita a monumentos perdidos na memória dos livros e programas televisivos da infância e adolescência.

Hoje gozo tempos de tranquilidade, em que dou por bem empregue toda a tenacidade de ambas as partes. Não foi fácil para ninguém, tenho toda a certeza, continua a não ser fácil conciliar o gosto pelo monte com o gosto pela praia, a maior actividade matinal com a maior actividade do final do dia. Nem sequer sei quanto tempo durará este sentimento. Sei que dá frutos e que estas preciosas semanas passadas a quatro têm sido largamente recompensadas pelas descobertas de novos atractivos na mente (e não só...) daquela que continua tenazmente a aturar as minhas esquisitices e pelo muito que fica nas pequenas cabecinhas de quem educamos.

1 Comments:

At 5:20 da tarde, Blogger vanus said...

O divertido está em descobrir novas formas para percorrer o mesmo caminho, acho eu :)

 

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