2008/07/03

O sapo

Tinha sido feliz durante os longos anos de namoro com a mulher com quem casou. Até faziam um par bizarro, quer em termos físicos, onde ressaltavam diferenças claramente contrárias ao estereótipo social, quer em termos de interesses pelo que a vida oferece. Mas nada parecia abalar os sentimentos que os uniam.

Até que um dia, pouco tempo depois do casamento, apareceu um emprego exigente, que obrigava a reuniões constantes do grupo de trabalho ao sábado e a centenas de quilómetros de distância. Então ele intensificou as idas ao cinema com os amigos, até que ela teve a honestidade de sair de casa e deixar perceber que, afinal, as reuniões semanais nada tinham de laboral.

Foi um choque tremendo para quem não tinha a menor dúvida sobre o passo importante que tinha dado há não muito tempo atrás, levando-o a questionar-se sobre a sua própria personalidade. Os tempos seguintes foram clássicos, o mergulhar no trabalho como fuga e o fechar da concha ao exterior, sobretudo ao universo feminino, como gesto protector. Mesmo as tentativas mais ou menos dissimuladas dos amigos próximos, a quem se entregou nos momentos de alívio, para lhe abrirem novas janelas sob a forma de jantares organizados a qualquer pretexto onde eram convidadas amigas criteriosamente escolhidas, se revelaram infrutíferas.

Passaram-se anos, até que um belo dia, passe a expressão oriunda dos clássicos contos infantis, num dos encontros, quando já estava esgotado o leque de raparigas elegíveis, apareceu acompanhado. Em público, mesmo entre amigos, o distanciamento era evidente, mas era clara a convergência de interesses e a empatia entre ambos.

Anos volvidos, o relacionamento é forte embora ainda surpreenda pela forma fria dos gestos mas reconfortantemente calorosa nas palavras. Não houve arremedos de paixão visíveis do exterior, mas cresceu aos poucos uma união muito forte em cada atitude e em cada troca de olhares.

Porque não há metades de nós perdidas algures por este mundo, mas entre a multidão há uma fracção de almas que nos entendem sem necessidade de legendas. Assim haja vontade para procurar uma delas.

3 Comments:

At 12:19 da manhã, Blogger inhazinha said...

mas porque será que não consigo deixar um comentário aqui neste post?!

 
At 9:01 da tarde, Blogger Maria Arvore said...

É um manual de segundas oportunidades? ... :)

Concordo que o essencial é «não serem necessárias legendas» para um casal se entender. Essa comunhão em que se entende um olhar é que nos traz a felicidade de príncipes e princesas. ;)

 
At 9:35 da manhã, Blogger Ness Xpress said...

Micas, sim, eles existem. A paciência é uma virtude, assim como o é saber tirar o pé do travão na altura certa.

Maria, há gente para quem não é uma segunda oportunidade. É apenas o encontro com o caminho que o acaso não permitiu que tivesse acontecido antes.

 

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