2008/10/14

No monte

Ainda mal reposto do longo beijo que quase lhe tirou o fôlego, esticou o braço esquerdo para o botão do rádio do carro e ligou o leitor de CD’s. De memória, apontou para aquela de que se recordava ser a ligação ao álbum que tinha em mente, enquanto deixava que ela descansasse a cabeça no seu ombro. Com a sorte dos audazes, Diana Krall começou a encher o espaço do automóvel, momento que aproveitou para encostar o nariz à base do pescoço dela e iniciar uma inspiração lenta e longa, aspirando a sua suave fragrância a frescas manhãs de Primavera. Entretanto, recolheu a mão que comandara o som melodioso no interior do automóvel, deixando-a, intencional mas discretamente, percorrer a curva do peito desenhado na blusa, como forma de avaliar o efeito visível da provocação nasal. Percebendo que a imobilidade feminina era uma forma de defesa instintiva, decidiu castigá-la ainda mais ao fazer a sua língua percorrer a curva da base do pescoço, seguindo-se agora a inspiração da sua companhia, enquanto um quase imperceptível arrepio revelava que estava pronta para regressar ao ataque.

Empurrou-o docemente contra a porta e esticou-se sobre ele provocando-lhe nova inspiração, agora potenciada pelo contacto das macias protuberâncias frontais. De novo sentiu os lábios, agora quentes e aveludados, e a língua que percorria os dele e lhe punha o sangue a ferver. As suas mãos voltaram ao interior das calças de ganga e iam iniciar as curvas descendentes, em espelho, quando um automóvel parou no lugar ao lado. Quedaram-se imóveis, com uma expressão de satisfação no sorriso, olhos nos olhos, enquanto os ocupantes saíam.

- Então, ainda queres ver a paisagem? – Perguntou, como forma de procurar um local mais sossegado.

- Nem podia perder a oportunidade de visitar tão sublime lugar – respondeu, agradada com a solução encontrada.

Conduziu lentamente, como gostava de fazer quando partia à descoberta de pequenas ruas e elementos arquitectónicos fora do habitual, tão comuns nas pequenas aldeias longe dos centros urbanos. Chegaram ao pequeno monte, donde se avistava a costa numa extensão de várias dezenas de quilómetros, num quadro de beleza acentuada pelo azul profundo do mar em contraste com o verde dos campos de cultivo. O cheiro a sal continuava a fazer-se sentir e o vento frio era uma bênção de encontro às faces rubras. Encostou o peito às costas dela, beijou-lhe novamente o pescoço, do lado do vento, que tinha afastado os cabelos para trás. As suas mãos subiram lentamente, sob o casaco de couro, ao longo das costelas, com as palmas abertas, até os indicadores encostarem à base dos seios dela.

2008/10/09

À beira-mar

Já não era cedo, contrariando os horários matinais que tanto gostava de praticar sempre que não dependia de terceiros. Mas o dia tinha-o contemplado com as condições que pretendia, prolongando-as até à hora em que parou o automóvel e recebeu o ar fresco da intensa brisa marítima. Antes de sair do carro decidiu, num impulso intuitivo, baixar o vidro do lado direito com o objectivo de provar logo ali que o dia se reservava ao deleite dos sentidos. Sentiu-a a inspirar mais demoradamente e saboreou a primeira vitória.

Tinham-se encontrado algum tempo antes, num local ainda distante. Ela não sabia para onde ia, sabia apenas que era à beira-mar e que o tempo ia parar. E mesmo essas informações tinham sido arrancadas e ferro e só disponibilizadas como forma de aguçar a imensa curiosidade feminina.

Saíram para a esplanada de madeira sobre a praia, o tempo frio mas seco, levemente ventoso, o sol liberto de qualquer farrapo branco no horizonte, o céu de um azul límpido e brilhante, o mar azul salpicado com espuma branca sobre as rochas. A maré estava vaza, intensificando o cheiro marinho e emprestando ao local a atmosfera necessária para uma longa conversa onde não havia temas definidos, vaguearia ao sabor de cada variante que fosse sendo introduzida.

Ela adivinhara os seus gostos de bota-de-elástico, por mais moda que houvesse apreciava sempre uma blusa branca, jeans justos mas pouco ousados, botas de cano alto e casaco de couro castanho. Ele estava igualmente casual, mas em estilo mais sóbrio, calça azul, camisa branca e blazer cinza escuro. Sentaram-se lado a lado, contemplando o horizonte profundo à sua frente. Pediu o segundo café do dia, no mau hábito de negociar à custa da cafeína os momentos de tensão a que se expunha. De seguida, com um sorriso dissimulado nos lábios, reforçou a encomenda com o refrigerante dos tomates que sabia ter um significado de provocação naquele contexto. Aquilo com que não contava era que a sua companhia o acompanhasse no pedido, ficando agora em posição mais favorável no campeonato do sorriso trocista.

À medida que a conversa evoluía a posição de cada um na cadeira foi-se tornando mais esticada, revelando o à-vontade crescente com que foram abordando os temas mais diversos, dos profissionais aos da economia, dos interesses lúdicos à mentalidade fechada da educação judaico-cristã. De vez em quando ele lançava uma provocação velada, às quais ela passou a responder dissimuladamente a partir do momento em que as suas pernas faziam já um ângulo inferior a 45º relativamente à horizontal.

Foi quando ele desviou a conversa para a costa magnífica que contemplavam e referiu as casas centenárias que polvilhavam a região, acrescentando o prazer que sempre acompanhava os seus passeios pela ruas estreitas e tortuosas das aldeias, mera introdução para o convite à observação da paisagem do ponto alto e pouco afastado das suas costas, na capela da Senhora da Guia. Ela assentiu, pelo que pagaram e regressaram ao carro. Entraram, o sol tinha aquecido o interior, tiraram os casacos, ela tirou os óculos de sol enquanto tentava alinhar o cabelo revolto pelo vento e deu com os olhos dele que viam o mar reflectido nos dela. Pressentindo que ela procurava o sol nos seus olhos, inclinou-se e provou-lhe os lábios frios, pouco seguro de não estar a ser precipitado. Durante o movimento de recuo viu como ela saboreou o gosto dele com um rápido humedecimento dos lábios e percebeu que o contacto não tinha tido a duração suficiente para ela formar uma opinião.