2005/07/27

With the mouth wide shut!

Às vezes dava por si a recordar os tempos em que era muito jovem. Queria viajar, conhecer outras paragens, outras gentes, modos de vida diferentes. Embora não tivesse receio da solidão, imaginava-se na companhia de uma alma indefinida, que compartilhasse esta paixão pelo desconhecido e a vontade férrea de o conhecer.

Realizou parcialmente o seu sonho. A solo, acabou por passar algumas temporadas numa civilização parecida, embora suficientemente diferente para lhe abrir valiosos horizontes. Só mais tarde conheceu a paixão e o amor e a dura realidade de duas almas obrigatoriamente diferentes, que, por muita vontade que tenham, nunca irão coincidir em todos as vontades, anseios e ilusões. E já não seria mau se coincidissem em algumas.

O tempo o fez descobrir que aquilo que esperava da pessoa com quem se relacionava se tinha confirmado nalguns aspectos, mas se tinha revelado profundamente errado quanto a outros. Mais, tinha descoberto que havia características em que nunca tinha sequer pensado. E mais ainda, chgou à conclusão de que parte daquilo a que se propusera a si próprio nunca tinha sido capaz de realizar. Evidentemente, também se superara noutros aspectos, o que compensava confortavelmente o seu ego.

Seriam os pontos fortes da relação aqueles que tinha imaginado? Se calhar já nem se recordava bem do que tinha imaginado. Entretanto, novas e constantes solicitações tinham surgido e o problema transformara-se numa questão de equilíbrio dinâmico. Então, o que era mais importante? O "mais" é igualmente mutável, mas começara a desenvolver uma teoria que ganhava mais e mais espaço na sua mente: nunca serão as palavras ditas aquelas que têm maior valor.

E é precisamente nas outras, as que se dizem sem abrir a boca, que tudo se decide, desde as grandes paixões até às enormes desilusões. Com uma agravante: se é difícil percebê-las, sendo, aqui sim, necessária uma conjugação de ondas nascidas sabe-se lá de onde, maior desafio é conseguir manter o diálogo ao longo dos tempos.

2005/07/22

Filosofia barata

Não há verdades absolutas. Mesmo a certeza de que um dia descansaremos em paz, no limite porque não havendo quem nos foda o juízo estaremos na dita, não é passível de confirmação enquanto tivermos a capacidade de abrir os olhos todas as manhãs.

Não há amor, nem paixão, nem uma grande foda, não há felicidade. Há um amor para cada um, e assim por diante. Haverá dois amores na vida? Para alguns sim, até poderá haver três ou quatro ou uma infinidade deles. A grande foda fará com que todas as outras sejam fodas mal dadas? Alguns dirão que sim, que viveram para aquele momento. Outros dirão que cada foda tem uma época, se calhar que nunca deram “A” grande foda, mas que houve algumas bem boas. Certamente alguém dirá que uma foda não dada está perdida para sempre.

Os optimistas, pobres mentes sonhadoras habitantes do mundo da ilusão, sempre na esperança de encontrar o prémio na próxima esquina, aprendem que as surpresas boas aparecem muitas vezes onde menos esperam. Têm a única virtude de as procurar, ainda que saibam que o mais provável é levarem pancada novamente. Mas desde que não mate, sempre hão-de sobreviver até à próxima.

Que seria destes poetas e escritores armados em intelectuais que pululam nesta caixa asséptica se cada sentimento tivesse uma única interpretação igual para todos? Deixaríamos de fazer esta filosofia barata, de lojas dos trezentos ou das outras dos invasores asiáticos. Foda-se, além de começares a falar mal nesta página, não deves ter mesmo mais que fazer...

2005/07/14

O beijo

Tocou-lhe levemente com os lábios. Sentiu-os colarem, após a ténue pressão inicial, talvez devido ao açúcar da sobremesa, ou simplesmente porque a separação fosse tão lenta e sentida. Ele molhou-os antes de nova investida, quase imperceptivelmente, num gesto erótico apenas pela forma dissimulada de passar a língua na zona sensível da pele. Tinha uns lábios cheios, embora sem parecerem demasiado grossos. Voltou a tocar nos dela, sentiu a sua inspiração. Gostava dos pequenos pormenores nas mulheres, na realidade venerava cada detalhe nelas. Apreciou como saboreava o beijo, reprimindo a ânsia denunciada pela respiração. Instintivamente, deslizou toda a sua boca lentamente sobre a dela, apenas alguns milímetros para cada lado, em movimentos alternados. Conhecia o efeito que provocava.

"Beijas como ninguém", recordava mentalmente as palavras, proferidas à laia de rebuçado, em jeito de last kiss goodbye, muitos anos antes. Fora, apesar da dor, um presente valioso que lhe deixara, desde então aprendera o poder deste dom que tinha. Os seus lábios especializaram-se, ao longo do tempo, em carícias de efeitos devastadores.

Sentiu a língua dela a invadir-lhe a boca. Ela estava fora de si, agarrou-lhe a cabeça com ambas as mãos e lambeu-lhe demoradamente aqueles lábios com sabor a cereja. Ele afastou-se ligeiramente e procurou com a ponta da sua língua a extremidade da dela. Ela correspondeu, primeiro com pequenos toques, depois com círculos contínuos, por fim voltando a invadir-lhe a boca, ele fechando-a sobre a sua língua, ela entrando e saindo como se imitasse a outra invasão apenas reservada aos homens. Então, num acesso de lucidez, afastou-se, compondo o cabelo. "Não era nada disto que eu queria!"

2005/07/13

Momentos

Ele nem era particularmente belo. Simpático, talvez, envolto numa certa aura de mistério, deixava sempre um véu translúcido na frente de cada uma das suas frases. Era um jogo perigoso, mas para ela tinha chegado a altura de arriscar um pouco. Decidiu aceitar o convite, jantar num ambiente alegre, com música mexida. Não acreditava químicas instantâneas.

Nem foi a bebida, nenhum dos dois bebeu muito, queriam manter os sentidos alerta. Terá sido o ritmo crescente do som, a mistura dos perfumes no carro, a música calma mas possante que escolheu durante a viagem. A voz serena dele, envolvente, o tom levemente distanciado do discurso, mas mantendo uma intimidade dissimulada. Ficou completamente excitada. Esforçou-se por controlar-se, por esperar que avançasse. Ele percebeu, e foi-se aproximando muito lentamente. Olhou-a nos olhos, saltando de um para o outro, num jogo de hipnotismo que sabia devastador. Ela imitou-o e o tempo que ele demorou a encostar os seus lábios nos dela pareceu-lhe a viagem para o paraíso.

2005/07/11

Upgrades!

Será possível que haja pessoas que gostam de sexo mas conseguem passar longos períodos sem sentirem dele necessidade?

Serão, com certeza, espécimes mais evoluídos, que conseguem desligar o raio do canal que, nas versões inferiores, ocupa toda a mente com tal assunto sem a mínima importância.

Foda-se!

2005/07/07

Palavras ao vento

Cada um terá a sua definição para o amor. E depois há a paixão, e cada um a definirá de forma diferente. Será a paixão aquilo que sustenta o amor? Ou será apenas o amor por aquilo que pensamos que o outro é, enquanto temos a ilusão de que finalmente nos encontramos noutra pessoa?

É fácil jogar este enredo de palavras. Difícil é entender que a química existe mas é demasiado instável, ao sabor de nós, dos outros, do sol, do vento, da chuva e de muitos outros milhares de pequenos nadas.

Segredos ninguém os terá, a vida apenas acontece a cada segundo. Aprender a aceitá-la talvez seja uma virtude, assim como saber mudar-lhe o rumo se a caminhada se tornar insuportável.

E Lavoisier continua a ter razão, ao fim destes anos todos: "Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". So simple!

2005/07/01

Devagar, que tenho pressa.

É nobre quem tudo dá. É certo que custa quase tudo o que nos rodeia. Os amigos, sobretudo. Durante esse tempo, o mundo à volta dos dois é como se parasse. Mas a quarta dimensão acaba, inexoravelmente, por nos arrastar para o espaço exterior, onde nada se mexe num círculo de anos-luz. Excepto o que existe no nosso microscópico planeta.

A partida não tem outro destino próximo senão o vazio. O rumo a tomar deseja-se firme, a direito e sem hesitações. Se o caminho não se vislumbra, há que manter a serenidade e procurá-lo sem pressas até aparecer. Porque quem sempre se soube orientar, não se irá certamente perder. E, mais perto ou mais longe, a galáxia surgirá no horizonte.