2006/12/14

Filmes

“Mas eu sou mulher e uma mulher nunca diz o que quer. Livra-te de não fazeres aquilo que eu estou à espera que faças.”

A bem dizer não consigo decidir qual das afirmações é mais preocupante. É claro que um homem minimamente conhecedor do universo feminino – até ia ali escrever maravilhoso, mas depois podiam pensar que estava a tentar dar graxa às meninas e eu não me quero meter em confusões, além de que a dar alguma coisa viscosa sempre prefiro o óleo de amêndoas doces – pois um homem daqueles sabe que ambas as frases são verdadeiras. O que acontece é que, por um lado, nem sempre acerta no que a senhora quer e por outro nem sempre está disposto a fazer-lhe a vontade.

Mas vamos por partes. É certo que uma parte muito importante do encanto das mulheres está no facto de se revelarem misteriosas. Por essa mesma razão, entre um homem e uma mulher que se conhecem bem não há necessidade de falarem. E é aqui que a coisa começa a resvalar. Então, se basta um simples olhar delas para nos dizer que estamos a comportar-nos como o filho da mamã em vez de ser o marido atento e protector e mesmo um bocadinho submisso com elas, não com quem nos educou com base na submissão maternal, como as nossas próprias mulheres educam os seus e nossos filhos, por que raios querem que nós passemos a vida a dizer-lhes por palavras faladas que estão bonitas, que são o amor da nossa vida, que o bacalhau com natas está excelente? Não basta repetir três vezes para saberem que está bom?

Mas bem que, de vez em quando, podiam dizer o que querem. Vá lá a ver, pode ser no restaurante, queres carne ou peixe, nem que atires a moeda ao ar, mas não podias ser tu a atirá-la? Depois há aquela coisa da malta nova, é que a gente tem que levar no coiro muitas vezes para saber como aquelas mentes brilhantes, e até um bocadinho diabólicas, por vezes, tem alturas que é muitas vezes, funcionam. E depois as meninas têm que entender que os homens são naturalmente limitados, a nossa mente foi treinada para correr muito e atirar a lança ao búfalo, ou bisonte, ou lá como se chamava o animal no princípio dos tempos. São coisas simples. Ah, e assegurar a manutenção da espécie. Por essa razão há que orientar os rapazes, dizer-lhes de vez em quando como devem proceder, sob pena de resultar em chapa amolgada ou guarda-fatos vazios, que o impulso de espetar a lança mantém-se, embora a presa tenha mudado de forma.



(A frase é do filme “Sliding doors”, de Peter Howitt (1998), com a deliciosamente misteriosa Gwyneth Paltrow).

2006/12/07

A neta do Pai Natal

Finalmente consegui achar piada a uma figura natalícia. Ainda andei, aqui na rede, à procura da foto que ornamenta as paragens do autocarro, mas não consegui encontrar. No site não está.

Mas conta-se em poucas palavras. É uma mocita pouco vestida de vermelho Natal, tem um baby-doll e uma bandolete a condizer. Está em cima de uma cama e olha para a câmara com uns olhos que não são bem de carneiro mal-morto, até porque ela parece vivinha da silva, será mais olhos de carneiro mal acarinhado, em súplica por aquilo que tenho em mente como uma óptima noite de Natal: em vez do empanturranço de bacalhau e bolo-rei, com um belo tinto calmante à mistura, que a paciência para a conversa mole do já estamos aqui de novo e a seguir é a Páscoa e depois as férias e nem damos conta e já estamos outra vez aos encontrões para comprar os estúpidos dos presentes sem sentido, a paciência, dizia, já se foi há muito, imagino eu naqueles devaneios galopantes desta mente inquieta que devia pensar na porcaria do caderno de encargos mas depois toda a gente se borrifa nele e faz que lhe dá na gana e nem quero saber se lhe dá noutro sítio qualquer, pois imagino que o pobre do velhinho já merece a reforma, com direito a casa de repouso numa praia quente, se é isso que o faz feliz que a mim nem por isso, e as prendas bem podiam ser entregues por aquela neta da foto, que é como quem diz, se o pai veste aquela fatiota, põe as barbas de algodão e a almofada nas costas e vai entregar os presentes, então a mãe sempre pode usar o novo uniforme oficial da época e entregar-se de presente.

Obviamente que a sugestão já foi feita, que este par de olhos é célere a encontrar palavras que demonstrem a razão do seu sorriso. O que não dá jeito é que seja naquela noite, que o calmante é bem preciso, além de que bacalhau com água só salgada, e mais lá p’ró Norte. Mas como estamos em época de lugares-comuns, Natal é todos os dias...

(Fui ao site. A fatiota não está lá, mas a menina mal servida é a mesma.)

2006/12/05

O conceito “Gaja boa” (II)

Todas as mulheres gostam de serem cortejadas. Mas os homens também! Obviamente que as regras de convivência social dizem que um homem não chora. Sabemos que o vento é matreiro e leva uns ciscos pelos ares. E os olhos reagem mal à intrusão de corpos estranhos.

A linguagem falada e escrita constitui a mais poderosa ferramenta de sedução. Esta é a principal razão da proliferação de blogues e do sucesso dos mensageiros, com a cobertura protectora do anonimato, pelo menos no início das relações que se estabelecem, necessário pelas já faladas regras de convivência social. Mas é igualmente a arma de que se valem todos aqueles que vêm na sua existência algo mais do que os jogos de futebol e as novelas, as da quatro para quem mais gosta da irrealidade nacional e as da três para quem ainda tem paciência para a intensidade sonora de além-mar.

Todo este paleio tão sério, por evidente falta de inspiração, serve para dizer que há um grupo de pessoas, felizmente alargado, que se serve da linguagem antes da língua, sendo que muitos deles têm escaldantes relações faladas sem nunca chegarem ao contacto físico de natureza íntima.

Ora é precisamente aqui, não onde me sento neste momento, que o local de interessante tem muito pouco, excepto algumas, poucas, moçoilas que de vez em quando passam, mas aqui neste parágrafo deste texto tristonho como o tom cinzento que vislumbro à minha direita, por cima do estore, e muito embora me pareça que a chuva e o vento bem combinados com outro ambiente, esse fofo e quente, e um belo exemplar do conceito em debate, representada por quem escolhi para me acompanhar nas muitas caminhadas ao sol, ao vento, à chuva, que tenho o privilégio de dar desde que me conheço, vestida, ou, se calhar, pouco vestida, com a fatiota da neta do Pai Natal que povoa as paragens de autocarro por esta época, parece que já me perdi, pois que a combinação em causa – os elementos da natureza e a fatiota – sejam muito interessantes, é então aqui que chega a boazona.

Ou seja, após a famosa cabeçada no metal, onde se tem a sensação de ter partido qualquer coisa que, em certos animais, é feita de marfim, mas que nos humanos é puramente virtual quanto mais não seja porque, pelo menos que conste, a intensidade da dor é a mesma, com ou sem, os homens passam a ouvir certas melodias que, até então, não conseguiam descodificar. Paralelamente, algum canal ocular de banda larga terá igualmente sido desentupido, uma vez que passam a olhar com outros olhos para senhoras até então tidas como apenas interessantes.

Está, pois, descoberta a Sexy Mother Fucker, que é uma mulher capaz de usar as palavras como forma de manterem o homem num permanente estado de leveza, como se pairasse acima do chão e se alheasse do mundo que o rodeia. Este tipo de mulher percebe perfeitamente a impressão que causa no sexo oposto – e muito provavelmente nas outras SMF, mas isto já é só a minha mente galopante, entusiasmada com o assunto, a sair disparada pela pista fora – pelo que sabe perfeitamente realçar os seus dotes físicos para melhor atrair os pobres machos já desorientados. Não necessita das medidas de modelo – das mais cheias, que as anoréxicas, ou em vias de, não são para aqui chamadas – basta saber como usar as roupinhas e outros adereços para aplicar verdadeiros murros no estômago de quem com elas convive diariamente sem ter hipótese de cheirar mais do que as essências francesas criteriosamente escolhidas em cada manhã. Se, a tudo isto, juntarmos um olhar dissimuladamente provocante, daqueles que nos despe a alma, que é bem pior do que os olhares salivantes masculinos que as mulheres dizem despir-lhes a roupa, porque na realidade continuam com ela no corpo e o homem vislumbrou, no máximo, a cor do soutien, então fica aqui claramente esclarecido o conceito de “Gaja boa” (usei esta expressão unicamente porque não é fácil, na linguagem falada, substituí-la por outra que encerre o mesmo conceito; a partir de agora, e à semelhança do já feito nos textos, raramente voltarei a usá-la).

Resta referir, por hoje, duas coisas mais. A primeira é que uma mulher destas é, na maior parte dos casos, casada ou adepta de relações afectivas estáveis, pelo que se deve ter em mente que o jogo se desenvolve pelo prazer lúdico do mesmo e um avanço mais ousado pode levar a grandes mudanças provavelmente não ponderadas, isto do lado masculino, que nisto de ponderação sabemos bem quem a faz melhor (curioso, onde está “ponderação” podia estar “premeditação”, embora o caminho não seja o mesmo e este último nos possa levar bem mais longe).
A segunda referência é que há vários tipos de humor e de formas de brincar com as palavras, pelo que nem sempre um homem com jeito para o uso da língua como meio de comunicação escrita e falada encaixa numa SMF. Quando encaixa, há que esperar que a enxurrada não seja a do milénio.