2008/09/30

Às vezes até parece bonito

Era demasiado vaidoso para ficar satisfeito com o significado bíblico da posse. Seria, no seu controverso e meridional pensamento, demasiado fácil. Não na perspectiva de uma rápida cedência da bela seduzida, mas sim num contexto que rodeava todas as suas acções, as afectivas, as lúdicas, as profissionais, segundo o qual se não desse luta de fazer ensopar a camisola, e até era pessoa de pouca actividade sudorífera, então não tinha valor.

2008/09/24

Pensamentos ao vento

- Eu sei que tu não me roubavas esta ideia.

- Claro que não, a única coisa que eu seria capaz de te roubar era um beijo.

Corou intensamente ante a resposta inesperada, provocando nele uma reacção idêntica.

- Nunca mais me digas uma coisa dessas!

- Não direi, mas sabes que tinha que to dizer um dia.

Fez-se um silêncio de expectativa entre ambos.

- Só um beijo?

Ela sentiu-se na obrigação de quebrar o ambiente tão gélido quanto escaldante.

- Far-me-ia muito feliz...

2008/09/15

O senhor do carimbo

O processo era longo e envolvia muitas assinaturas. Os regulamentos não prometiam grande agilidade no cumprimento do objectivo final, mas a experiência dos intervenientes e o sentimento geral da necessidade do uso do bom senso em prol do bem comum deixavam ver um ténue raio de sol para lá de tanta escuridão.

Chegou a hora da subida ao cume mais alto e afadigaram-se em demonstrações e explicações, afinal pairava no ar o estigma de que o árbitro era rigoroso. O juiz olhou, perguntou, comparou com a papelada que tinha na mão e sancionou o golo, tendo acedido a comunicar o resultado final por telefone ao senhor do carimbo para que este não tivesse que esperar pelo relatório do jogo, mera confirmação do resultado final.

Foi então que aconteceu o inesperado. Confrontado com a comunicação da entidade superior, o senhor do carimbo decidiu pedir o papel amarelo. A equipa que tanto tinha trabalhado até então estremeceu, mas não esmoreceu. Deu mais uma corrida e entregou o papel amarelo. Passou, então, a faltar o papel castanho. Mas ninguém conhecia o papel castanho. Que era novo nos regulamentos, respondeu o senhor. Mas não tinha sido pedido quando da consulta às condições. Mas que agora passara a ser necessário. Nova corrida, mobilização de meios quase sobre-humanos e já cá canta o papel! Mas agora está na hora de picar o cartão. Além disso, há o expediente normal e muitos papéis mais antigos para carimbar. Mas está tudo pronto para começar a trabalhar. Estas coisas têm o seu tempo e eu não faço milagres.

Provavelmente falta ainda o papel que não vem descrito nos regulamentos. Chamam-lhe verde do outro lado do Atlântico. Ou então faltam tacões debaixo dos sapatos. Tudo isto enquanto os nossos vizinhos continuam a corrida, quantas vezes com tempos por volta inferiores, mas sempre com paragens menos prolongadas nas boxes.

2008/09/05

Mudei-me

ness

O nome de família já eu sabia que estava a ser usado. Não só aqui, que é onde ele realmente está bem empregue, mas é cada vez mais solicitado para outros fins que aqui não mencionarei porque não me apetece andar à procura de mais ligações. Digamos que é muito procurado para dar a sensação de serviço rápido. Foi essa mesma vertente que procurei quando o adoptei, embora na versão transporte público.

Agora o nome próprio nunca tinha visto noutro uso que não o daquele que me atraiu. Fiquei por isso de sorriso nos lábios quando dei de caras com a placa. Infelizmente não pude comprovar de dentro o bom aspecto do lugar. Porque à noite o lugar transforma-se completamente e deixa de ser adequado a respeitosos pais de família. A localidade, então, nem se fala. É uma autêntica colónia inglesa, muito embora quem observe superficialmente possa ficar com a ideia de que por terras de Sua Majestade Isabel II só haja teens e early twenties preocupados com a cotação da lager e dos shots. Para um eterno teen como o autor destas linhas (a falar, evidentemente, pelo aspecto e pela invejável forma física), o cruzamento com grupos de numerosas britânicas jovens, de pernas longas e voluptuosas curvas, provoca alguns arrepios, que só podem ser de calor proveniente do temperado clima balear. Num exercício meramente aleatório de argumentista de telenovelas, componho uma cena em que o herói, promovido a rei da movida, encontra um grupo de voluptuosas e experientes inglesas, já bem acima dos thirties - queres ver, estavam à espera que um herói deste calibre se contentasse com jovens acabadas de sair do kindergarten – e termina a noite dentro de uma gaivota com escorrega, das que permanecem na areia enquanto o sol aquece outras paragens.

A ilha, em si, tem atributos suficientes para justificar nova visita, mesmo para quem o único atractivo das praias de água azul turquesa e areia dourada seja o de refrescar sobre a transparência e nadar ao longo das rochas na observação do trabalho da natureza em dias de menor calmaria. Há outro grande atractivo, que é o património construído ao longo dos séculos e que lá conta com muitos mais calhaus empilhados do que a generalidade dos paraísos da preguiça.

Terminada a rodagem cinematográfica, resta esclarecer que o meu nick nada tem a ver com noites quentes refrescadas com loiras geladas, mas sim com uma muito mais cinzenta expedição ao lago do simpático animal escocês, ainda não consumada mas em carteira para próximas temporadas estivais muito mais à minha moda.