2007/03/27

Duplo plágio descarado

Os tempos vão maus. A inspiração não abunda e, para ajudar, parece que a aceleração típica do período pré-estival já começou, o que quer dizer que o tempo para a escrita está a diminuir proporcionalmente. Na realidade, fui "castigado" pelo deslize velocipédico e paguei no banco do lado direito, com juros e tudo, toda a distância que percorreria habitualmente do outro lado. Agora só tenho que me portar fisioterapicamente - inventei, sim, quem quiser que se queixe - na esperança de alguma acalmia improvável.

Resolvi usurpar o espaço que no bosque é designado por "Rapidinha da tarde" e postar aqui uma anedota previsível, mas que serve, dada a crise instalada. Ora cá vai!

À noite, a minha mulher e eu, sentados na sala, falávamos das coisas da
vida. Abordávamos a temática de viver ou morrer "com dignidade".

Na oportunidade, ocorreu-me dizer-lhe "nunca me deixes viver em estado
vegetativo, dependendo de uma máquina e de uma garrafa de líquidos. Se me
vires nesse estado, desliga as máquinas que me mantêm vivo..."

Ela levantou-se, desligou-me a televisão e despejou a cerveja fora.

Filha de uma grande polícia!


Nota: alterei a última palavra, por evidente respeito matrimonial.


Informação adicional (plágio por plágio, então tomem lá mais um): a alternativa a este cenário é um passeio de bicicleta :-)

Coisa a que não costumamos dar importância

Lavar o cabelo com ambas as mãos.

Escrever no teclado com 10 dedos.

Segurar o volante com a mão esquerda.

Abrir a casa de forma a facilitar a entrada do botão.

Apalpá-las em simultâneo.

2007/03/21

O desafio do 7

Fui desafiado pela Robina para responder às questões à volta do número 7. Devo dizer que o meu número da sorte é o 13, por razões evidentes para quem se habituou a ler-me. Cá ficam as respostas.



7 coisas que faço bem

Conduzir sem parar
Amuar
Ser ambíguo
Sonhar acordado
Ser simpático
Dizer a tabuada do 6
Decorar matrículas de automóveis



7 coisas que não faço ou não sei fazer

Cozinhar (não quero saber)
Comer iscas de fígado
Tostar na praia
Dançar “La Bamba”
Dizer “Então é assim”
Pedinchar
Ser arrogante



7 coisas que me atraem no sexo oposto

Os olhos
Os dedos das mãos
Os dedos dos pér
Os lábios
O cabelo
As mamas
O umbigo
As pernas
O rabo
O sorriso
O ar seguro
A inteligência
O sentido de humor
A capacidade de brincar com as palavras
O gosto pela aventura
A atenção aos pormenores
A delicadeza

(Hein, eram sete? Ó pá, desculpem lá, mas quando se trata do sexo oposto sou muito limitado, só me ocorre uma palavra: mulher!)


7 coisas que digo frequentemente

Não sei
Obviamente
Quando for grande quero ser como tu
Já dizia a minha avó
O material tem sempre razão
É fatal como a ferrugem
Fosgasse

7 actores/actrizes que admiro

Meryll Streep
Julia Roberts
Nicole Kidman
Gwineth Paltrow
Robert De Niro
Jack Nicholson
Hugh Grant (porque faz um tipo de personagem que classifico como o gajo que gostava de ser se tivesse optado pela via do descomprometimento total)

7 pessoas a quem passar

Não, não fico zangado se me incluírem nestas correntes, mas não nomeio ninguém para elas, assim como não lhes responderei se não estiver para aí virado.

2007/03/16

Viagens

Ora cá está um tema consensual. Toda a gente gosta de viajar. Basta ver as respostas à pergunta sacramental dos concursos televisivos quanto ao destino a dar ao prémio eventual.

No entanto, para mim, há muito a dizer sobre o conceito. Oferece-se uma semana com estadia completa num hotel com piscina e praia a cem metros. Para este conceito de viagem há um número muito elevado de pessoas a responder que gosta de viajar. Mas o conceito pode ser um pouco aprofundado. Essa mesma viagem pode incluir uma visita à zona histórica de uma cidade antiga. Aqui já alguns começam a ficar para trás, afinal vieram para dormir e levar de volta a prova melanínica da jornada exótica. Não confundir esta última palavra com uma outra, preliminar de actos classificados com triplo xis mas que não são necessariamente aqui contemplados. Se o forem, então não se perdeu tudo.

A situação seguinte é um pouco mais elaborada. Contempla várias etapas num roteiro organizado, uma visita do tipo Viena-Praga-Budapeste, com percurso exigente em autocarro. É óptimo para os caçadores de fotografias, que juntam três capitais à colecção sem despenderem muito tempo. Não fazem compras nos mercados, não passeiam de metro por entre os seus frequentadores habituais mas têm a virtude de ficar a conhecer os principais monumentos, tendo em conta que a capacidade para viajar é inversamente proporcional ao tempo disponível para trabalhar e directamente proporcional à capacidade financeira, sendo esta última, em geral, directamente proporcional ao já referido tempo investido no trabalho.

Os praticantes das actividades acima descritas são os turistas. A seguir descreve-se uma outra categoria, que é a dos viajantes. Estes serão divididos em duas classes. A dos que encarnam a pele de um local, frequentando os mesmos lugares, indo às compras, aos restaurantes e aos eventos culturais mas tendo uma almofada que lhes permite voltar imediatamente a casa quando o tempo ficar cinzento ou as obrigações periódicas assim o ditarem. É gente que gosta mesmo muito de viajar.

A última classe é a daqueles que trabalham sem rede. Metem-se num avião para Buenos Aires e a seguir entram nas carreiras regulares de autocarro para a Patagónia ou para o Chile, onde sobem a pé a Machu Pichu. Dormem nas estações de comboios ou em alojamentos de menos três estrelas. Trabalham em bares quando se acabar o dinheiro. São estes os que realmente adoram viajar. Alguns deles não são tão radicais e preferem ir para as vindimas em França, deslocando-se à boleia nos camiões TIR.

Quando ouço as pessoas dizerem que gostam de viajar, costumo divertir-me a tentar adivinhar em qual destas categorias se incluem.

2007/03/09

Calhaus

Um gajo de braço ao peito vai almoçar ao self-service integrado numa comitiva de uma dezena de homens, após uma reunião enfadonha. Está bom de ver que foi pouco colorida, mas há meios profissionais ainda muito cinzentos. O gajo coloca o tabuleiro em cima daquela estrutura onde irá deslizar, sendo ornamentado com pratos e outros utensílios ligados à gastronomia. Chega ao fim do percurso e a simpática senhora da máquina registadora pergunta-lhe se quer que lhe leve o tabuleiro à mesa.

Um gajo de braço ao peito, nada parecido com os rapazes que passaram a desfilar nas novelas dos serões da TVI, entra no metro a caminho de casa, empenhado que está em não conduzir só com a mão direita, mesmo tendo chegado à conclusão que uma fracção significativa dos condutores o faz, pois a mão esquerda serve para levar junto ao ouvido provavelmente para o proteger das buzinadelas constantes dos restantes condutores. Vê uma senhora já madura a convidá-lo, com um sorriso discreto mas caloroso, para ocupar o lugar que detinha em igualdade de circunstâncias com outros homens de idade igual ou inferior.

Ter um braço ao peito é similar a passear sozinho com um bebé no carrinho: as mulheres presenteiam-nos com belíssimos sorrisos mas não podemos tirar vantagem da situação. Embora um braço ao peito seja muito pouco limitativo, no fundo a única consequência é que a mão respectiva está diminuída no raio de acção. Mas as mulheres deixam bem claro que o sorriso é em tempo de tréguas, como nas brincadeiras de miúdos em que se grita “casas!”.

Espero não me esquecer de certos detalhes, no futuro. A ver se me torno menos calhau. Um gajo não fica paneleiro se levar o tabuleiro de outro, temporariamente incapacitado.

2007/03/02

Noite quente

Os desafios da rede têm a virtude de proporcionarem, à partida, um tema de escrita, desviando-nos daqueles assuntos recorrentes em que acabamos por cair quando pensamos no que escrever. O amigo Tozé lançou vinte palavras ao ar, que apanhei da seguinte forma:
Noite quente
Sabia bem tanto no Inverno como nas outras estações do ano, sobretudo em noites frescas quando o trote do relógio se fazia notar pelo desconforto da frieza na pele. Foi achando cada vez menos piada ao conjunto, que revelava uma falsa preeminência sob o pretexto da igualdade entre pares. Mas a peça mais simples de todas, aquela que era efectivamente útil pelo conforto que proporcionava e pela aura de mistério que a envolvia, essa, anda hoje faz parte do seu imaginário da paixão.

A dimensão generosa e o negrume protector permitiam, com um gesto rápido e decidido, ocultar dois amantes sequiosos entre a mais numerosa multidão, dando plena liberdade aos movimentos frenéticos da boca de cada um e abafando discretamente os murmúrios que prenunciavam desfecho a sós.

No meio da torrente em movimento descontrolado, era como se estivessem no centro de um tufão, onde se diz reinar uma paz enganadora, prenúncio da luta titânica contra os elementos em fúria que tudo arrastam e esmagam à sua passagem.

Depois da tempestade de vozes e encontrões, de acordes e poemas, aquelas noites traziam o encanto dócil do calor dos corpos envoltos em tecido de lã, negro como o mistério das noites de prosa espontânea e risos de prazer, sangue fervente, traços largos de imaginário em cavalgadas de freio nos dentes. Ficassem os corpos desfeitos em fragmentos indefinidos, as mãos cheias do sabor agridoce de coxas, antebraços, faces e seios, olhos brilhantes, íman para o recomeço da batalha, rotações sucessivas pelo chão em brasa até que o universo da matéria tocasse a porta de entrada para a quinta dimensão.