2005/06/23

Nunca fora poeta

Densa, tão profunda bruma
Que s’esfuma, ó magia,
Por artes de luz alguma
Do astro que refulgia

Visão de lenda romana
Que me tolda os sentidos
Liberta paixão profana
De excessos repetidos

Debato-me p’ra escapar
Dessa força atractiva
Inútil, não sei evitar
Essa mente apelativa

2005/06/17

Tivera que se isolar para compreender. Nunca gostara de deixar assuntos inacabados. Inevitavelmente, já lhe acontecera. Mas, para sua satisfação, poucos tinham sido e de somenos importância.

O que faltaria para encerrar o assunto era algo ainda pouco claro. Aliás, pressentia que não era só ele a pensar dessa forma. Até podia estar enganado, até mesmo redondamente enganado, mas era um caminho, da sua própria mente, que lhe agradava trilhar.

Para a forma de pensar geralmente associada ao género masculino, o caminho seria evidente. Mas nunca tinha procurado marcas novas para a sua arma, não iria começar agora. Até porque o percurso até então o tinha elevado a promontórios de onde não desceria facilmente. O acto de posse é mental, e não físico. E, no caso em causa, ficaria desiludido com uma tarefa fácil. E duas palavras mantinham-se a ribombar-lhe no pensamento: “price” e prize”. O preço, esse, era demasiado elevado, embora perfeitamente ajustado à recompensa.

Queria correr atrás das palavras, sendo puxado por ela, quem sabe até permitindo-se dar-lhe a mão, se algum obstáculo de ocasião a atrasasse. Queria apenas um pouco mais de sonho, tocar a realidade dessa pessoa maravilhosa, até que chegassem a um entroncamento seguro e cada um seguisse o seu caminho.

2005/06/16

Porque é que continuava o diálogo silencioso, mas fervilhante? Porque é que insistia, talvez teimosamente, numa partida que seria até existente apenas na sua cabeça? Porque o que via era uma mente diferente, um mundo vasto, um universo de uma riqueza extraordinária, muito além dos diálogos rotineiros e gastos que povoavam a sua existência. Ali, apenas à distância de quem merecesse, de quem conseguisse desvendar o segredo de tão fabuloso cofre.

Que brotaria dessa caudalosa fonte? Quem teria alimentado o manancial onde se refrescara durante aqueles breves instantes, que recorda quase como a experiência de uma vida inteira? Será que conseguiu deixar claro que nunca viveu tal intensidade e que está convicto que não a voltará a viver com mais ninguém? Será que lhe repetiu, ao menos de forma a que ela notasse, que ela ficará como A única adversária que lhe conseguiu fazer frente? A quem nunca se permitiu dar qualquer facilidade, porque significaria ficar ainda mais para trás?

Nunca lhe dirá isto, nunca lhe dirá que a distância é demasiada, que há uma tempo para tudo e que o deles não coincidiu. Não lhe dói esta ideia. O que lhe dói é pensar que lhe poderia fazer bem ouvi-lo, como lhe fez a ele muito bem o pouco tempo que se permitiram, mas que não vai conseguir dizer-lho.

2005/06/15

E, subitamente, ficara com uma sensação de estranheza. Porque nunca precisara de holofotes para a ver. Não foi a luz do sol devolvida pelas formas que o atraiu. Foi, sim, uma luz intensa, embora muito suave, reflexo de uma outra energia devolvida por um corpo errante, que não deixava adivinhar formas físicas. Apenas o muito que tinha para dar de si, do que lhe habitava os sonhos, sobretudo aqueles que atormentam fora do sono.

Compreendia que as nuvens tinham chegado. Compreendia que o fogo que alimentara aqueles dias quentes provinha de uma lenha seca ao tempo, que se tinha consumido. Sabia que a reacção química destes dois elementos seria sempre tendencialmente galopante, resultando em pouco mais que fumo lançado para o ar. Por isso tinha-se recolhido ao seu território, atento.

Mas que a não visse, não! O que não podia era olhá-la sem a ver.

2005/06/13

Os olhos

Diz-se que não mentem. Mas talvez não seja sempre verdade. Até isso se aprende. A mentir com os olhos.

Gostava de os ter visto. Apenas pela certeza de que eram reais. Porque às vezes imaginava que conversava consigo próprio, através de um mecanismo qualquer que lhe devolvia no monitor aquilo que queria ler.

Nada é perfeito neste mundo, a bem da nossa existência. Aqueles olhos seriam apenas o espelho da sua realidade, mesmo que imperfeita.

A troca de mensagens representa apenas um pequeno mundo dentro da atmosfera própria em que nos movemmos. Por muito perfeita que pareça, esconde, ou escurece, todo um conjunto de outras existências, que nunca desaparecerão de um momento para o outro.

Os olhos representariam, provavelmente, o final do capítulo. E nunca ninguém duvidou disso.

2005/06/09

Apagão

Subitamente, pelo menos para uma das partes, as regras do jogo tinham mudado. O passo mais sensato seria terminá-lo. Mas nunca foi um jogo sensato, não teria sequer sido iniciado se essa fosse a regra número um. Apesar disso, sair para intervalo era inevitável. Deixou-se ficar no relvado, mantendo-se quente. Então, as luzes apagam-se...

2005/06/07

Metáforas

Merda p'rás metáforas!!!

Num quarto escuro, nem as peças brancas se vêm.

Não, não jogo no totoloto nem no euromilhões!

2005/06/06

Letras

Imaginava-os a escreverem poemas de amor. Fá-lo-iam num diálogo inflamado, de sentidos inebriados por vocábulos incendiários. Poderiam até musicá-los, desde que encontrassem o apoio necessário, afinal muitos dos mais belos poemas de amor nasceram da música.

Não que precisasse dele para os escrever, estava muito para além disso, nascera para as letras, só não teria ainda dado o passo em frente, mas certamente não estava longe. As palavras brotavam-lhe incessantemente, imparáveis, qual manancial cheio pelas chuvas de Abril e subitamente aberto ao exterior. Atropelavam-se, confundiam-se até numa Babel ansiosa por atingir os dedos, parcos para tanta fluência.

Ele servia apenas para lhe fornecer a pressão necessária ao escape dos escritos. Tinha um dom particular de lhe alcançar uma ou duas cordas, daquelas que escondia cuidadosamente e reservava aos momentos em que se permitia subir ao seu Olimpo, onde pairava serenamente sobre todos os outros e se sentia finalmente nela própria.

Também era possuidora de um dom similar relativamente a ele. E era no uso dessa faculdade que o levava a superar-se, a atingir níveis onde nunca antes chegara, por vezes a conseguir que a sua escrita traduzisse sentimentos de uma intensidade capaz de poder figurar na ante-câmara da porta que o separava dos eleitos.

Pensava nisto, enquanto tinha cada vez mais a certeza de que só um deles passaria por essa porta.

2005/06/02

Generalizações

As generalizações são sempre claramente abusivas. A sua natureza é que o levava com frequência a ser provocador, provavelmente como forma de avaliar mais rapidamente os interlocutores.

Mas considerava uma verdade absoluta que as mulheres são muito mais hábeis na utilização do sexo como instrumento, no jogo do amor. O que nem é uma descoberta notável, antes representa um lugar-comum de gosto, no mínimo, sofrível. Daí que a sua grande aspiração, pelo menos em determinado momento, fosse descobrir onde é que se encontrava o desejo, a procura pura e desinteressada do prazer. Já não tinha dúvidas de que há sinais que não podem ser evitados nem imitados. Restava o despertar da centelha, esse momento particular é que o intrigava.

Parecia-lhe que a malfadada tradição de gerações e gerações obscurecidas pelas trevas da sombra divina continuava a pairar mesmo naquelas mentes de pensamento mais liberal.

Mas... E se nada disto fosse assim? Se estivesse a anos-luz da realidade?

2005/06/01

Pensava muitas vezes na importância do sexo. Sobretudo naquela que as mulheres lhe dão. Porque a dos homens conhece ele, muito embora se interrogue sobre a razão pela qual alguns homens, uma minoria, é certo, vivem sossegadamente sem sexo. Literalmente sem. Mas no que toca às mulheres tudo continuava envolto em denso nevoeiro.

Porque o fazem? Por amor? Por prazer? Para demonstrarem a sua superioridade frente aos homens? Por todas estas razões e mais algumas?

De todas elas, as razões, destacava uma teoria: o prazer seria uma das menos importantes.