2007/01/29

Sapatilhas

O amigo Diogo tem-nos dedicado um programa muito interessante à sexta-feira à noite. Com diálogos leves e situações do dia-a-dia - o programa com os idosos na tasca a jogar às cartas foi particularmente bem conseguido - faz relembrar velhos conceitos à volta da língua portuguesa e por vezes surpreendo-me com palavras ou expressões que usava incorrectamente. Tem igualmente a vantagem, o programa, de ser suficientemente curto para não nos alhearmos por excesso de informação.

Ora entre a esponja com detergente e o pano de louça, à volta da origem do termo ténis, como alguns designam umas simples sapatilhas:

- Eu quero um ténis.

Ligeira pausa e recordação de anedota antiga:

- Ora diz "Pão"?

2007/01/25

Novo arrepio

«Quero anunciar que, já a partir de 01 de Julho, será de 30 por cento e, partir de 01 de Janeiro de 2008, esta percentagem subirá para 60 por cento. Portugal estará assim na linha da frente dos países que adoptaram a eficiência ambiental como critério decisivo na taxação do automóvel», sustentou.

Esta afirmação é do Senhor Primeiro-Ministro, José Sócrates, proferida ontem durante o debate mensal na Assembleia da República, a propósito da reforma do Imposto Automóvel. Neste, como em todos os outros assuntos da nação, quando ouço os responsáveis pelo destino do país a afirmar “Portugal estará assim na linha da frente” em matéria legislativa fico sempre com os cabelos em pé. Para mim, estas palavras têm apenas um dos seguintes significados: Ou não é matéria para se cumprir ou significa novo ataque aos oficialmente ricos do país – os que descontam mais de 15,5 % de IRS no recibo ao fim do mês, mais coisa menos coisa.

Gosto muito de automóveis, não por afirmação social mas pelas máquinas que são. Não tenho o carro de que gostava porque entendo que o dinheiro tem maior utilidade no conforto do local onde passo a maior parte do meu tempo, na formação da família e nas outras actividades que, para mim, fazem a diferença entre viver e sobreviver. Mas custa-me muito ver um espanhol ou um francês com a mesma formação escolar dentro dum desses automóveis, que custam lá menos do que eu paguei pelo veículo seguro e fiável que escolhi para transportar quem eu mais gosto. Sendo eu um privilegiado da nação, custa-me igualmente ver um espanhol médio transportar a família confortavelmente num veículo que conquistou cinco estrelas nos testes de segurança da EuroNCap, enquanto cá muitos dos colegas dos meus filhos vão para a escola no dois lugares que o pai ou a mãe utiliza para trabalhar, quantas vezes transportado na caixa de carga. É uma questão de mentalidade – eu sempre fui para a escola a pé, chovesse ou fizesse sol – mas não só.

O automóvel já não é um artigo de luxo, é uma necessidade elementar do dia-a-dia. Entendo que a receita que o estado obtém através da venda de automóveis já deveria ter sido distribuída por outras formas, à semelhança dos países mais próximos. Os automóveis novos são mais seguros e muito menos poluentes. Quanto não ganharia o país se o consumo médio dos automóveis diminuísse 0,5 litros por cada cem kilómetros percorridos, algo perfeitamente possível com um parque automóvel actual?
Em vez disso, e quem me dera estar redondamente enganado e vir aqui fazer um acto de contrição no dia 1 de Julho, vamos assistir a mais um aumento do famoso Imposto Automóvel.

2007/01/24

Rimas de assalto

Na senda das rimas do "poema" anterior e no meio dos pensamentos de seis horas de condução a "solo", a propósito do Roberto Carlos, versão Rui Reininho:

Quero que você
Me abrigue deste orvalho
E que tudo o mais
Vá p'ró ca...ferno!

2007/01/19

Desafio

Tenho visto por aí este desafio do amigo Finúrias. Num arremedo de inspiração, saiu-me este poema.



Noite de sexo



Dá-me uma noite de sexo
Até perder o norte
Ali os dois no anexo
Até que chegue a morte

Quero ver-te no espelho
Pintar-te na tela
Beijar-te no joelho
Fazer-te mais bela

Afundar-me em tuas formas
Amar-te nos degraus
Sem regras nem normas
Nesses frios calhaus

Podes fazer-me em retalhos
Atirar-me contra a pedra
Até ficar em frangalhos
Ou de forma diedra

Mostra-me a tua audácia
Até ficar sem sentidos
Serei lobo da Alsácia
Gostarás dos meus latidos

E no eco da tua voz
Em teus gestos rendido
A vida que está em nós
O meu corpo prendido

Venha água para refrescar
E o negrume do café
Agora na sala-de-estar
Não quero ficar de pé!

2007/01/18

Segredo?

Tive a felicidade de contar com a ajuda de Júlio Machado Vaz durante um conturbado período da minha vida. Sem que o querido Professor o soubesse, pelo menos directamente. Eram os tempos da Rádio Nova, o programa passava aos domingos de manhã, com repetição à noite. E era um fenómeno, pelo menos entre a malta universitária da cidade. Sei de apartamentos de estudantes, que não era o meu caso, onde não se ouvia uma mosca durante o programa.

Na altura não havia Internet, logo a comunicação fazia-se por carta ou, no caso daqueles mais avançados tecnologicamente, por fax. No meio de tantas e tão boas achegas às relações humanas, sobretudo às amorosas, que eram as que mais me interessavam, lá ganhei coragem e enviei um texto inflamado. Embora com o cuidado de fazer notar que as questões que colocava não tinham resposta, atirou-me com uma frase dos Beatles de que tanto gosta: “You stay around and it may show”. Acertou na mouche!

Muitos anos se passaram já, continuam a acontecer coisas novas com reconfortante frequência. Perguntei-lhe, então, qual seria o segredo. Continuo sem saber, se calhar sorte, se calhar bom senso, se calhar paciência, se calhar tenacidade, um conjunto disto tudo e sei lá bem do que mais. Se pode acabar? Com certeza que sim. A bem dizer, hoje, não estou nada preocupado com isso.

2007/01/16

Pieguice

Sinto-te adormecer ao meu lado, o teu corpo quente encostado ao meu, sob os cobertores que tão bem sabem na refrega da batalha, após terem mais uma vez sido o impecilho inevitável. Combato agora os olhos que teimam em fechar-se, concentrando-me na música suave que ecoa baixinho pelo quarto e me transporta tantos anos para trás, até ao tempo em que me perguntava por este mesmo momento, pressentindo-o no futuro, ingenuamente enrolado, acreditava então, numa versão feminina da minha mente galopante. A música é a mesma, a dos slows envolventes com cheiro a noites de luar à beira-mar, o olhar, como se o pudesse ver, mas não é preciso, sabemos bem o que o nosso olhar revela em cada momento, bem mais difícil é enganá-lo para que lance areia aos olhos dos outros, aquele olhar já não é brilhante das saudades do futuro, expressão magnífica dos Trovante, mas cintilante do presente alcançado e da memória reconfortante do passado visionário. Então, era a sala imersa na penumbra, apenas a luz ténue dos números do sintonizador criavam o ambiente imaginário, com o copo ao lado, pouco cheio porque o objectivo era apenas um ligeiro estado de excitação.

Agora está a luz ligada, os olhos também comem e os nossos são uns glutões, o teu calor recorda-me as tuas formas, despida que estás ao meu lado, mas não preciso de levantar os lençóis, conheço-te ao pormenor, embora continue a ver-te como a primeira vez, sempre que tenho o imenso privilégio de te tirar a roupa. Afinal, estava redondamente enganado quanto à forma como me amarias, quanto à maneira como te amaria. Era muito novo, mais em sentimentos que em idade, por muito que tivesse lido não poderia saber que a tua entrega é proporcional ao somatório de todos os momentos da nossa vida, não apenas à centelha do momento.

Sim, estou a tornar-me piegas, também não é nada que não esteja nos livros, nos filmes ou nas músicas. Baixas a guarda à medida que me sentes menos agitado, ganhas-me para ti enquanto descubro cada novo detalhe de mim em ti, como se sempre soubesses o que quero, mas mo dês como um prémio por alcançar um novo nível.

E não quero adormecer, quero prolongar este momento, assim como há pouco senti que todos os teus músculos me puxavam para ti, agora apetece-me contemplar o teu sono descansado de entrega nas minhas mãos.

2007/01/15

Promessa



O próximo post vai ser a puxar ao sentimento. Só não sei qual o heterónimo que o escreverá...

Para já, estive a olhar para o calendário e cheirou-me a mar.

Cinzentão!

Já aqui se deve ter dado conta, eu sou um desses cinzentões que gosta de números e de estatísticas e de imaginar como era isto tudo antes do big-bang e como é que o grande-grande-chefe se criou a si próprio e conseguiu impedir que outros grandes-grandes-chefes aparecem no meio de uma nuvem branca de inofensivo vapor de água, porque agora tudo aquilo que for descrito como fumo é poluição. Excepto, talvez, o dos cornos e da cauda, a quem os de Roma têm estado a dar um papel cada vez mais insignificante, provavelmente por se terem apercebido que cada vez há mais adeptos de climas quentes e exercício físico sem roupa do que adeptos de campos verdejantes, túnicas brancas até aos pés e coros celestiais.

É claro que isso é em dias em que já me apelidaram de Álvaro de Campos, muito embora, pela qualidade da escrita, eu goste mais de um heterónimo do tipo Zé dos Pedais.

Tanta prosa mal trazida ao mundo para dizer que também não vejo, no emaranhado de neurónios cruzados da parte matemática do meu cérebro, como será possível que passemos a trabalhar até aos 65 anos, enquanto continuamos a formar gente mais nova que não parece ter onde se sentar, sendo certo que não parecem dispostos a irem para o Douro cuidar das vinhas e das cerejeiras, ou para o Alentejo fazer crescer searas e semear girassóis. No entanto, estou muito longe de aceitar que cada lóbi profissional faça impor a idade para a sua reforma, ou qualquer outra forma de compensação pelo seu trabalho, em função do peso que no momento possa representar na sociedade. Se um piloto-aviador já não reúne as condições necessárias para o exercício da profissão a partir dos 60 anos, não creio que um motorista de transportes públicos também as reúna. E os exemplos são muitos e variados, desde pintores empoleirados num andaime a 20 metros do solo, até às senhoras que prestam serviços de limpeza ou vendem na feira os produtos que andaram a cuidar na terra.

Também me agrada a ideia da reforma antes dos 65 anos, com a esperança de não me ver obrigado, por razões alheias à minha vontade, a permanecer em frente à televisão o dia todo, há muito mundo lá fora para ver e muitos sectores de actividade onde encontrar ocupação, mesmo que ao sabor do estado de espírito. Bato-me, no entanto, pela igualdade enquanto cidadão de um mesmo país, sobretudo numa nação tão próxima das sociedades mais igualitárias do mundo mas tão pouco empenhada em trilhar o caminho para esse fim, que é o de olhar primeiro para dentro e formar um todo coerente e só depois olhar para fora e trabalhar em conjunto para alcançar os melhores.

2007/01/12

Sem vergonha na cara (I)

Há pouco tempo passou por algumas casas aqui ao lado o tema das profissões com que se sonhava enquanto criança. Ora eu, que tenho o dom da modéstia, queria ser piloto-aviador. É verdade que, na altura, andava a ler livros de banda desenhada do Major Alvega, distinto herói aviador português ao serviço da Royal Air Force durante a segunda guerra mundial, aos comandos de um elegantíssimo Spitfire, embora pilotasse qualquer outra máquina voadora. O sonho manteve-se durante alguns anos, mantido por esta enorme vontade de ver novas paragens, pelo gosto pelas máquinas rotativas e pela facilidade de comunicação com gente que não fala a nossa língua, sendo dos poucos arrependimentos que carrego o de não ter tido o impulso de fazer os testes para ingresso na Academia da Força Aérea, contrariando o convencimento de que não os conseguiria ultrapassar. Continuo disso convencido, mas agora não me perdoo por não o ter tentado, mesmo tendo em conta que, naqueles tempos, havia outras complicações muito importantes.

Vem isto tudo a propósito de um braço de ferro entre os pilotos da aviação comercial e o nosso governo. Ora acontece que a dita profissão parece ser muito exigente e desgastante. Com efeito, levantar um avião, carregar no botão para ele voar sozinho durante toda a viagem, preparar a aterragem sem necessitar sequer de ver a pista e proceder à dita manobra, parece ser de um cansaço extremo. E depois ainda há a necessidade de se manter actualizado face às novas tecnologias, que é coisa que quem passa todo o dia sentado à secretária não precisa de fazer, afinal os computadores agora até fazem tudo. É uma maçada ter que dormir fora, em hotéis de muitas estrelas, quantas vezes até é noite a horas em que era suposto estar numa esplanada em Vilamoura a beberricar uma cerveja.

Por tudo isto, parece da mais elementar justiça que os pilotos de avião tenham a reforma aos 60 anos, embora fosse muito mais justo se a obtivessem aos 55. Afinal é gente que ganha para cima de 20 salários mínimos nacionais. Para que serve ganhar para cima de 20 salários mínimos nacionais se depois quando se chega à reforma não se tem condições físicas de os gastar convenientemente? Ah, e mais, piloto que é piloto não pode perder a mão, por isso depois de chegar à idade da reforma tem que estar disponível para voar em trajectos não regulares – vulgarmente conhecidos como “Charter” – para paraísos turísticos. Como se tratam de paraísos já se sabe que são voos de descanso, por isso a questão da idade já nem se põe. É certo que era suposto estar a gastar parte dos mais de 20 salários mínimos nacionais acumulados, mas já que se pilota, então mantém-se a forma física, logo aumenta-se a esperança de vida e, está bom de ver, há mais tempo para gastar os mais de 20 salários mínimos nacionais acumulados, mais os muitos salários mínimos nacionais de reforma e mais os novos muitos salários mínimos nacionais ganhos nos paradisíacos voos.

Eu acho, acho, mas é apenas a minha opinião, que é preciso ter muita falta de vergonha na cara!

2007/01/09

Liliáceas





E vieram-me à lembrança as cebolas da Póvoa, ali todas entrançadas, umas castanho-avermelhadas, outras amarelas, pendendo dos barrotes de madeira das bancas de venda da Nacional 13. Se alguém sabe manejar com arte um penduricalho, serão, com certeza, as belas moçoilas trigueiras, com a face corada pelo sol quente das Primaveras na Costa Verde, ao abrigo das dunas protectoras das Nortadas tão frescas quanto retemperantes, moçoilas essas que quanto mais mexem na trança, maior fica o pendente que pendurado será da cabeça de uma meia-galeota cravada nas prateleiras das garagens dos turistas domingueiros.

Não tive nunca o privilégio de conhecer uma dessas moças, limitava-me a admirá-las, com a abundante salivação de adolescente com hormonas aos saltos, quando frequentava as tradicionais feiras, que fazem imaginar a forma de abastecimento da época dos primeiros reis. Muito haverá a dizer sobre esses locais, verdadeiros e dignos representantes da história viva deste país, mas hoje, a propósito do êxito que o uso da palavra penduricalho provocou junto da minha vasta audiência, resolvi prestar uma justa homenagem às cebolas poveiras e às raparigas que as manuseiam, imaginando aquele agradável aroma da liliácea – ia escrever legume, mas depois achei prudente consultar a Wikipédia e em boa hora o fiz, pois descobri, entre outras coisas, que aquela senhora dos “peelings” pertence à família das cebolas, o que explica tantas novas camadas de pele – por entre os pinheiros bravos das matas de Ofir, com o cheiro da brisa marítima inebriando o momento em que descubro os tesouros escondidos de uma saudável e corada minhota, bem conformada pelas magníficas dádivas daquela terra farta, embalado pela sua bela voz afinada pelos cantares típicos do rancho folclórico da freguesia.

2007/01/05

Raciocínio lento

Sei que sou de raciocínio lento. E nem é só pelo género, cada um nasce com o que os genes ditam e os meus ditaram-me assim. Mas creio que normalmente chego onde é necessário, pelo menos tenho um papel com um penduricalho grosso que atesta ter passado inúmeros testes de raciocínio, memória, paciência e sei lá bem mais o quê. O que por si só não quer dizer muita coisa, mas, a bem do depauperado ensino nacional, pelo menos assim o classifica a chamada opinião pública, e tendo em conta o relacionamento constante com outros detentores de pendentes de papéis passados por escolas do pelotão da frente dos nossos parceiros comunitários, com os quais vou comunicando sem problemas de maior, acredito que os impulsos eléctricos entre os meus neurónios não se costumam perder no caminho, usando a velha máxima de que devagar se vai ao longe ou, o que vai dar ao mesmo, devagar que tenho pressa.

Tanta verborreia para me indignar aqui publicamente, com pouco dele, mas bom – pelos vistos com muitos emes grandes, a julgar pelo passado recente – pelo facto de me repetirem constantemente as perguntas caso eu não responda, no máximo, duas décimas de segundo depois da frase ter terminado. Ora eu ouço bem, embora não seja, penso eu, o meu sentido mais apurado, portanto se os concorrentes do “Um contra todos” têm seis segundos, ou seja, e pasme-se, 60 décimos de segundo!, porque é que eu tenho que ser tão rápido que responda, no máximo, duas décimas de segundo depois?

É que, para compor o ramalhete, a maior parte das perguntas ou não tem resposta, porque se a tivesse ela sabia-a e escusava de perguntar, ou é uma pergunta envenenada em que qualquer resposta é errada. Ou então terá uma resposta simples, mas, como não entendo as mulheres, como diz quem não nos entende a nós, embora acertando em todos os pontos fracos, não sou capaz de replicar em tempo útil e a repetição da pergunta já chega como uma forma de pressão para o erro.

Atente-se nesta pergunta tão simples do quotidiano familiar: “O que queres para o jantar?” Bem, como já sei que a primeira reacção da plateia é “Se fizesses tu o jantar nem seria necessário ouvires a pergunta” esclareço já que um dos meus defeitos é não querer cozinhar, a não ser pescada cozida, ou bacalhau cozido, com batatas e legumes, sendo esta uma opção odiada pelos comensais mais novos. Posto isto, a primeira resposta errada que me vem à cabeça, após a terceira repetição da pergunta, ou seja, seis décimos de segundo depois da frase original, mais oito décimos de segundo, repartidos por duas repetições intermédias de quatro décimos de segundo cada, é “O que tens para cozinhar?” Ora é óbvio que aquilo que possa eventualmente estar preparado não lhe agrada e o que está no congelador demora tempo a ficar em condições de preparar, logo a resposta óbvia seria “Se tivesse alguma coisa preparada não te perguntava” mas essa é uma resposta que ela nunca dará. Por isso já sei que, nessas alturas, ouvirei uma peroração sobre a tarefa hercúlea de decidir todos os dias sobre a natureza da refeição a colocar sobre a mesa.

Pensando bem, guardarei a nota mental de que deverei responder “O que tens para cozinhar?” imediatamente após a pergunta inicial, porque nunca serei capaz de dar uma sugestão válida e assim poupo a subida adrenalítica – esta não passa no corrector mas também posso inventar de quando em vez – embora ouça atentamente a peroração descarregadora de tensão, vulgo desabafo – a seguir.

Nota final: Gosto muito do que a minha mulher cozinha, além de que cozinha cada vez melhor; como em muitas outras coisas, também aqui aplico a máxima do pouco, mas bom.

2007/01/04

Pensamentos de assalto

Há mulheres com "M" grande.

E há mulheres com um grande par de "m".

2007/01/02

À berma da estrada

O que me atraiu o olhar foram as calças de ganga. As tais que tão bem fazem realçar o mais belo que a natureza nos (lhes) deu! Por muito que a experiência renegue a primeira impressão, sobretudo nos pobres machos insensíveis às leituras imediatas, é da visão a avaliação inicial. Depois aproximou-se. Com andar firme, logo seguido da voz serena e sem hesitações. Descreveu a lista, sem rodeios informou o que já não havia e explicou que o leitão fora entregue duas horas antes, já estaria frio, mas podia ser aquecido no forno. Muito simpática. Sem ser minimamente subserviente.

Percebia-se que estava muito habituada ao trabalho, mas que a sua função era muito mais do que anotar e satisfazer os pedidos. Era bonita sem ser deslumbrante, até porque a noite anterior, de festa, devia ter sido longa e não ajudava à tarefa. Tinha a sala cheia, mas a sua boa disposição contagiava. Um relance para dentro do balcão revelava uma senhora mais velha, mas com evidentes semelhanças físicas com a heroína da minha história. Ela, a heroína, deveria ter alcançado a maioridade há meia dúzia de anos.

A minha mente perversa, se calhar até aguçada pela febre argumentista, já entrara em acção. Mas entreteve-se em considerações mais próprias do terreno adversário. Como poderia ela chegar ao fim do dia e ainda pensar noutra coisa que não fosse cair na cama para descansar? No entanto, quando a sala começou a ficar mais vazia lá teve mais tempo para se aproximar da mesa e comentar que as batatas fritas estavam um pouco passadas, mas que poderia pedir mais uma travessa, nem demorava muito. Ante a hesitação na resposta lá se dirigiu ao balcão e, de novo com voz tão firme quando serena, registou o pedido.

Fiquei quase perdido naqueles cabelos negros e apanhados, enquanto os imaginava soltos e esvoaçantes. Mas guardei aquela firmeza nos actos, sem desvios nem prepotência e na minha mente continua sem resposta a pergunta que não a tem: porque era tão difícil, há quase duas décadas atrás, reconhecer sinais tão evidentes? Naturalmente, o passar do tempo leva a nova interrogação: seria capaz de os reconhecer se voltasse às circunstâncias de então?
É também por isto que me atraem os restaurantes da berma da estrada.