Sei que sou de raciocínio lento. E nem é só pelo género, cada um nasce com o que os genes ditam e os meus ditaram-me assim. Mas creio que normalmente chego onde é necessário, pelo menos tenho um papel com um penduricalho grosso que atesta ter passado inúmeros testes de raciocínio, memória, paciência e sei lá bem mais o quê. O que por si só não quer dizer muita coisa, mas, a bem do depauperado ensino nacional, pelo menos assim o classifica a chamada opinião pública, e tendo em conta o relacionamento constante com outros detentores de pendentes de papéis passados por escolas do pelotão da frente dos nossos parceiros comunitários, com os quais vou comunicando sem problemas de maior, acredito que os impulsos eléctricos entre os meus neurónios não se costumam perder no caminho, usando a velha máxima de que devagar se vai ao longe ou, o que vai dar ao mesmo, devagar que tenho pressa.
Tanta verborreia para me indignar aqui publicamente, com pouco dele, mas bom – pelos vistos com muitos emes grandes, a julgar pelo
passado recente – pelo facto de me repetirem constantemente as perguntas caso eu não responda, no máximo, duas décimas de segundo depois da frase ter terminado. Ora eu ouço bem, embora não seja, penso eu, o meu sentido mais apurado, portanto se os concorrentes do “Um contra todos” têm seis segundos, ou seja, e pasme-se, 60 décimos de segundo!, porque é que eu tenho que ser tão rápido que responda, no máximo, duas décimas de segundo depois?
É que, para compor o ramalhete, a maior parte das perguntas ou não tem resposta, porque se a tivesse ela sabia-a e escusava de perguntar, ou é uma pergunta envenenada em que qualquer resposta é errada. Ou então terá uma resposta simples, mas, como não entendo as mulheres, como diz
quem não nos entende a nós, embora acertando em todos os pontos fracos, não sou capaz de replicar em tempo útil e a repetição da pergunta já chega como uma forma de pressão para o erro.
Atente-se nesta pergunta tão simples do quotidiano familiar: “O que queres para o jantar?” Bem, como já sei que a primeira reacção da plateia é “Se fizesses tu o jantar nem seria necessário ouvires a pergunta” esclareço já que um dos meus defeitos é não querer cozinhar, a não ser pescada cozida, ou bacalhau cozido, com batatas e legumes, sendo esta uma opção odiada pelos comensais mais novos. Posto isto, a primeira resposta errada que me vem à cabeça, após a terceira repetição da pergunta, ou seja, seis décimos de segundo depois da frase original, mais oito décimos de segundo, repartidos por duas repetições intermédias de quatro décimos de segundo cada, é “O que tens para cozinhar?” Ora é óbvio que aquilo que possa eventualmente estar preparado não lhe agrada e o que está no congelador demora tempo a ficar em condições de preparar, logo a resposta óbvia seria “Se tivesse alguma coisa preparada não te perguntava” mas essa é uma resposta que ela nunca dará. Por isso já sei que, nessas alturas, ouvirei uma peroração sobre a tarefa hercúlea de decidir todos os dias sobre a natureza da refeição a colocar sobre a mesa.
Pensando bem, guardarei a nota mental de que deverei responder “O que tens para cozinhar?” imediatamente após a pergunta inicial, porque nunca serei capaz de dar uma sugestão válida e assim poupo a subida adrenalítica – esta não passa no corrector mas também posso inventar de quando em vez – embora ouça atentamente a peroração descarregadora de tensão, vulgo desabafo – a seguir.
Nota final: Gosto muito do que a minha mulher cozinha, além de que cozinha cada vez melhor; como em muitas outras coisas, também aqui aplico a máxima do pouco, mas bom.